Sandra Valle

Ninguém termina na ponta dos dedos

21.01 - 18.02.2023

A digitalização das cidades (e das sociedades) é cada vez maior. Num imenso cruzamento de informação, movimentos e pensamentos são armazenados numa pegada digital hiper-detalhada alimentando infindáveis armazéns de Big Data nos quais as decisões são tomadas por algoritmos computorizados. Estamos a assistir ao fim da privacidade como direito fundamental enquanto nos subtraem a individualidade em prol de uma prometida segurança.

É urgente repensarmos as cidades que estamos a deixar para as gerações futuras. Cidades nas quais, com certeza, a vigilância se vai sobrepor a qualquer questão humana e mundana. Algo que se tem acelerado após a proibição das liberdades impostas pelos estados nos últimos dois anos, o que fez disparar as práticas e estratégias de controlo. O medo foi a desculpa perfeita que justificou até a implementação de um passaporte digital que distingue a cidadania e privilegia uma suposta segurança sanitária aos direitos fundamentais da livre circulação e da não discriminação. Com as mudanças veio uma rápida adaptação que gerou já uma espécie de pós-humano, mais submetido, mais dominado e mais fiscalizado.

Estas situações mostram-nos que as sociedades ditas desenvolvidas são formadas por hierarquias de poderes instalados em cima de elementos mais ou menos frágeis. Garantias tomadas como certas que, no fundo, não existem, como se estivessem assentes em alicerces de vidro e que o mínimo desvio, seja ele social, político, económico ou sanitário, expõe a sua imensa fragilidade.

Partindo do actual panorama em que o controlo é transversal a tudo, da produção à comunicação, os nossos movimentos são monitorizados e vigiados das mais diversas formas, uma informação armazenada para sempre, enquanto vivemos alheios ao tipo de sociedade que se quer implantar.

Imersos nesta profunda transformação social e de elevação quase divina da tecnologia, ganham força as ideias de uma Nova Ordem Mundial numa cruzada pela IV Revolução Industrial que propõe como progresso a digitalização massiva a robotização do trabalho, a nanotecnologia e a biotecnologia.

Sendo assim, em que sociedade escolhemos viver? Que cidades imaginamos para o futuro?
Sandra Valle, 2022



BIO

Sandra Valle. (1977, Lisboa) Vive e trabalha em Lisboa. Formação superior em Design Industrial [IADE], Arquitectura [IST], Pós-Graduação - Discursos da Fotografia Contemporânea [FBAUL] e Master em Fotografia Artística [IPCI]. O seu projecto «Ninguém termina na ponta dos dedos» esteve exposto no ”f/est Amarante”, na exposição colectiva «Remapear as margens: hipsografia do centro». Na sua práctica artística a influência da arquitectura é um elemento preponderante, quer no retrato das paisagens urbanas como na criação de modelos que as simulam, numa procura que deambula entre questões como a identidade, o lugar e o não-lugar, a luz e a sombra, o vazio e o tempo.

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