Hugo David

Beautiful Disasters

17.06 - 31.07.2021

“Naquele verão, com 14 anos, recebi um skate de presente do meu pai e junto com o meu amigo começámos a frequentar a Praça da Figueira, onde os praticantes de skate de Lisboa se reúnem em torno da estátua”, contou-me Hugo David em maio de 2021. Falámos através do Zoom sobre fotografia e skate, que é o tema da sua exposição de estreia.

Elina Heikka: A sua exposição é sobre a cultura do skate, e não sobre o skate em si. A perspectiva é realmente nova para mim. Não vemos fotos de manobras radicais, mas a vida da grande comunidade de skaters à qual o Hugo pertence, nas suas diferentes faixas etárias. As fotos foram tiradas em Lisboa e nas viagens conjuntas que fez a Vigo e a outros locais para praticar skate. Os praticantes de skate têm uma geografia própria, tal como o Hugo mencionou, pontos específicos nas cidades que costumam visitar.

Hugo David: Há cerca de cinco anos, comecei a tirar fotos com um telemóvel bastante fraco, fotos que seriam só para mim, de forma discreta. Quando as pessoas começaram a questionar eu disse: “Estou a fotografar para um projeto”. Isso foi explicação suficiente. Mais tarde, eles viram as fotos e gostaram.

EH: Porquê um telemóvel? O Hugo é fotógrafo profissional e tem equipamento profissional.

HD: Eu queria manter o trabalho profissional separado do meu projeto. O telemóvel é apropriado para mostrar o ambiente do skate, rostos, sujidade, roupas rasgadas… A baixa resolução não interfere, dá até um toque de vida às fotos.

EH: Disse-me que passa muito tempo a imaginar as fotos na sua cabeça, mesmo que não tenha uma câmara nas mãos.

HD: É isso que acontece. No projeto, usei o formato quadrado que é conhecido do Instagram. Como fotógrafo profissional, enquadro imagens num retângulo. O formato quadrado é adequado para retratos com proximidade, que podem ser frequentemente vistos na exposição.

EH: Quando a prática de skate começou, os seus estudos na Escola de Dança do Conservatório Nacional terminaram. O Hugo é claramente talentoso tanto nas artes visuais como nas corporais.

HD: Eu era uma ovelha negra na escola de ballet. O skate tornou-se uma paixão, embora no início eu não fosse tão bom como o meu amigo. Pratiquei muito e aprendi, e isso foi muito importante para a minha autoconfiança e identidade. Superei a minha timidez e ansiedade. Praticar skate salvou-me.

EH: Dá para perceber o quão grato é à sua comunidade de skate, e a forte conexão emocional que tem com eles. A sua mão ensanguentada é a imagem principal da exposição. Acho que a corporalidade da prática do skate está muito evidente nas suas fotos. O corpo humano é utilizado nos seus limites. Há uma imagem de um raio-x mostrando o parafuso no seu pulso.

HD: Uma das partes marcantes do skate são as lesões e até o medo da morte. Quando o meu melhor amigo caiu, fiquei com medo de que ele morresse. No entanto, dois minutos depois, logo após o choque passar, ele já estava a sorrir.

EH: Uma purificação através da superação do medo e da dor? O sorriso do seu amigo na foto tirada após o acidente é muito especial, todo o rosto está iluminado. Como é que aprendeu a suportar a dor? Não tem medo?

HD: Os skaters falam muito sobre os seus medos. Quando se começa a praticar uma nova manobra, fica-se terrivelmente assustado, mas com a prática e os tombos isso passa. O corpo acostuma-se rapidamente com a dor. Podemos cair umas cem vezes em dois dias, mas isso não causa propriamente dor. O mais valioso quando se anda de skate é a sensação infantil de alegria, é diversão na sua forma mais pura. Não há preocupações quando andamos no skate. É uma espécie de meditação para mim.

Beautiful Disasters é um projeto documental muito autobiográfico e, no geral, é uma série bem maior do que o que vemos na exposição. O Hugo está a criar um livro fotográfico sobre o tema. Espero ter o seu livro nas minhas mãos em breve. Obrigada por nos possibilitar uma visão em profundidade do seu trabalho e da sua prática de skate!

Elina Heikka:
Diretora do Museu de Fotografia da Finlândia



BIO

Hugo David (Lisboa, 1995), cresceu num ambiente em que a fotografia abundava. Filho de fotógrafos decidiu também estudar e investir no fotográfico. Estudou na Escola de Dança do Conservatório Nacional, 2005/2009; na Escola Secundária Artística António Arroio – especialização em fotografia, 2010/2013 e continuou os estudos no IADE Creative University – Escola Superior de Design, onde completou uma Licenciatura em Fotografia e Cultura Visual, 2013/2016. Paralelo aos estudos e vida profissional a paixão pelo skate está sempre presente. Trabalha com fotografia, vídeo e som. Profissionalmente colabora com: Companhia Nacional de Bailado, Trienal de Arquitectura de Lisboa, Epal - Empresa Portuguesa Das Águas Livres, Imago Lisboa, 7 Maravilhas de Portugal, Sapo 24, Teatro Municipal Joaquim Benite, Lux Frágil, entre outros.

pt_PTPortuguese